Essa pergunta me vem a cabeça já faz algum tempo. Nós professores do século 21 vivemos uma crise do modelo educacional vigente, pois é evidente que ele já não corresponde a realidade da vida dos jovens “educandos”. Tudo para eles é chato, parado, enfadonho, desinteressante, ultrapassado... mesmo que eles não saibam o significado da maioria das palavras que acabei de citar, dá pra perceber a veracidade do que afirmo pelas reações deles: bocejos, espreguiços, ironias, indiretas, indiferenças, silêncio, barulho...Porém, vivi uma situação bastante inusitada outro dia, quando fui ministrar mais uma corriqueira aula de história para o segundo ano do Ensino Médio. Olha que o assunto ajudava: Segunda Guerra Mundial. Há o Hitler, os campos de concentração, as batalhas, os armamentos, as versões da guerra... trouxe até documentários. Mesmo assim, a reação era a mesma, ou seja, pasmaceira total. Foi quando estava falando do nazismo e afirmei que se tratava de um sistema totalitário. Imediatamente, um aluno me fez uma pergunta – e parece que tudo aqui é desencadeado por perguntas – “Professor, o que é um sistema totalitário?” Confesso que no momento fiquei chateado com o questionamento, pois já tinha falado disso uma trezentas vezes até aquele momento. Porém, numa sacada bastante ágil, me lembrei de outra pergunta: É possível um sistema totalitário tomar o poder novamente? Essa é justamente a linha condutora de um filme alemão recente, intitulado “A Onda”. Nele é discutido exatamente o conteúdo desse questionamento que fiz a mim mesmo. Imediatamente, me coloquei na mesma situação do professor da película, que tentava ministrar, de maneira convencional, uma aula sobre regimes ditatoriais. Como o país em questão é a Alemanha, os alunos já de antemão se colocaram fartos de falar sobre o nazismo e de como todos sabiam como aquele sistema era terrível, nefasto, maligno e tudo mais. Na visão dos alunos, nunca mais seria possível a adoção de um modelo político como aquele, pois todos já estavam suficientemente conscientizados das características negativas daquele sistema político-social. Naquela fração de segundo, quando do questionamento do meu aluno, olhei para eles e percebi a mesma situação encenada no filme alemão. Jovens de classe média alta, bem instruídos e alimentados e que possuem, com relativa facilidade, tudo que necessitam para viver razoavelmente bem. Será, como demonstra bem a trama, que tanto os endinheirados adolescentes alemães da atualidade, quanto os nossos jovens de classe média-alta, diante do caleidoscópio de relativismos de nossa época, tais como pais liberais e escolas e professores pouco rígidos, estão carentes de ideologias e crenças? Seria essa a brecha para o retorno de um sistema de cunho totalitário a espreita? Dentro desse contexto, quais seriam os grupos escolhidos como os diferentes, os culpados dos problemas. Os que não zelam pelo meio-ambiente? Os que não cuidam da saúde – fumam ou engordam, por exemplo, e que consumirão o suado dinheiro do contribuinte honrado, que cuidou da saúde. Seria fator de problemas sociais no futuro, os velhos doentes serem vítimas dos velhos “sarados”? Mais e mais perguntas, não? No filme o professor propõe, justamente para provar como uma sociedade alienada e desavisada, pode ser facilmente manipulada, uma aula diferente. Criou um movimento, que chamou de “A Onda”, tornou-se o guru do mesmo, unificou os trajes dos componentes, militarizou as condutas, bolou uma saudação para os integrantes daquele “organismo especial”, fatos que fizeram com que os não integrantes do movimento fossem olhados com desconfiança e, posteriormente, discriminados pelos efetivos integrantes da “nova onda”. Aliás, a experiência foi tão profunda, que alterou os destinos da escola e gerou inúmeros problemas. Quanto a minha aula resolvi, de bate - pronto, encerá-la e, na seguinte, passar o filme aqui citado. Muito interessante, que os meus alunos vibraram com o que foi apresentado como nunca antes haviam feito. Parece que se identificaram com os jovens alemães seus contemporâneos e foram fundo na discussão dos tais “regimes totalitários”, confrontando os próprios traços conservadores. Parece que os monstros que julgamos enterrados estão ainda bem vivos. Se na Alemanha há os imigrantes poloneses e turcos, os antigos alemães orientais, os muçulmanos... aqui temos os nordestinos atrapalhando São Paulo, os negros querendo direitos demais, os pobres empesteando as cidades , os índios querendo parar o Brasil com reservas...todos para serem identificados como o “outro”, o “abominável”, aquele que dá a sensação de decadência. Ao mesmo tempo, vivemos nesse inquietante “fio da navalha”, em que parece que o passado de ditaduras e perseguições é algo de museu, quase um fóssil. Será? Pelo menos é possível, mesmo que por um mísero segundo, ser otimista e afirmar que a educação ainda é possível, não?
A Onda
(Welle, Die, 2008)
• Direção: Dennis Gansel
• Roteiro: Todd Strasser (romance), Dennis Gansel (roteiro), Peter Thorwarth (roteiro)
• Gênero: Drama
• Origem: Alemanha
• Duração: 101 minutos
• Tipo: Longa-metragem
Sinopse: Rainer Wegner, professor de ensino médio, deve ensinar seus alunos sobre autocracia. Devido ao desinteresse deles, propõe um experimento que explique na prática os mecanismos do fascismo e do poder. Wegner se denomina o líder daquele grupo, escolhe o lema “força pela disciplina” e dá ao movimento o nome de A Onda. Em pouco tempo, os alunos começam a propagar o poder da unidade e ameaçar os outros. Quando o jogo fica sério, Wegner decide interrompê-lo. Mas é tarde demais, e A Onda já saiu de seu controle. Baseado em uma história real ocorrida na Califórnia, em 1967.
Postado por André
O enfoque que você deu a questão do filme foi muito oportuno: talvez seja a falta de um grande objetivo, de uma grande busca, que leve essa geração (a minha geração) a se assemelhar mais e mais com aquela que fez os regimes totalitários europeus dessa época, em certa medida. Ao mesmo tempo, vejo na minha geração uma abertura a novas ideias (e uma recepção e digestão delas) que quase nenhuma outra teve. E, quem pensa e digere sobre o que houve sabe usar o que lhe é ensinado como uma baliza para as próprias crenças. Ou pelo menos é o que eu tenho fazer.
ResponderExcluirÉ bom saber que algum professor ainda está interessado em nos passar alguma coisa nesse sentido.
Abraços André!